quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

 
Encontrei uma meia tua hoje, uma só, perdida no fundo da gaveta. Pensei em te escrever um poema e pendurá-lo naquele cabide de lavanderia. Mas eu fechei o armário, tanto quanto as velhas dobradiças permitiram.

terça-feira, 25 de janeiro de 2011




TODA MUDEZ SERÁ CASTIGADA, um conto de Eduardo Haak


Berta Brunstein pergunta: Peter, você gosta de trepar comigo?

Peter Mandrake responde que sim, que gosta.

Hum, Berta murmura.

Que foi, ô?

Nada. E para com essa mania de falar ô, ô, ô.

Peter ri e pergunta: por quê?

Por nada. Porque eu tô pegando esse cacoete seu, só por isso.

Entendi. Tipo assim, quando você vai gozar, você não consegue mais emitir a vogal ó aberta, ó, ó, sai ô, ô.

(risos)

(silêncio)

Por que você me perguntou isso?, Peter Mandrake diz.

Se você gosta de trepar comigo?

Hum-hum.

Sei lá. Só pra saber.

Tá.

(silêncio)

Vai, odalisca, Peter diz.

O quê?

Vai, pergunta o que você no fundo tá a fim de perguntar.

Berta ri e diz: Peter Mandrake, o indutivo.

É. Já fui chamado desse troço.

(silêncio)

Por uma daquelas odaliscas lá do seu Orkut?

Chi, você e essa cisma sua...

Cisma nada.

(silêncio)

E aí?, Peter diz.

E aí o quê?

Não vai me perguntar?

Hum. Não, não vou.

O.k.

Acho que eu não tenho nada para perguntar pra você.

(silêncio)

Berta?

Hum.

Tá tudo bem?

Sim. Tudo bem.

Hum.

(silêncio)

Relaxa, ô. Eu não vou cortar teu pau fora enquanto você estiver dormindo.

(risos)

Folgo em saber, senhorita.

Folga. Vai folgando, vai...

(risos)

Hum. Sabia que o Charles Bukowski se acostumou a dormir de bruços justamente por causa disso?, Peter diz.

Medo de ser capado?

Hum-hum. Ele andava com umas senhoritas barra-pesada, tudo tarja preta. Uma mais pirada que a outra.

(silêncio)

Que horas são?, Berta pergunta.

Três e vinte. Daqui a pouco a gente vai.

O.k.

(silêncio)

Você leu a Vejinha dessa semana?, Peter diz.

Não. Por quê?

Tem uma reportagem lá sobre o Bom Retiro. Eu não sabia que as judias ortodoxas usam peruca.

Usam.

Por que, hem?

Porque o cabelo é para ser mostrado só para o marido. Eles consideram o cabelo um instrumento de sedução.

Ué? E a peruca? E se for, sei lá, uma peruca estilo Jessica Rabbit? Não seria algo altamente sedutor?

Mas peruca é algo extrínseco. Entende a diferença sutil? Intrínseco. Extrínseco. Dentro. Fora. In. Out.

(silêncio)

Sei lá. Eu acho que essa coisa de peruca só funcionaria se a peruca fosse medonha. Tipo imitação do cabelo do Reginaldo Rossi, Peter diz.

(risos)

Ah, então quer dizer que você não me comeria se eu estivesse usando uma peruca estilo Reginaldo Rossi?

É claro que não. Você sairia comigo se eu fosse parecido com o Reginaldo Rossi?

Mas ser parecido seria algo intrínseco, Peter. É diferente.

Certo, e uma peruca seria algo, algo meramente extrínseco, não substancial.

Exato.

Viu só?

Oh yeah. Você está ficando bom em ironia judaica. Logo, logo a gente já pode marcar a circuncisão.

(risos)

Sai fora, ô.

Tá com medo, Peter?

Medo? Sei lá. Não, não exatamente.

Então relaxa. Não dói tanto assim. Bom, eu suponho que não doa.

(risos)

Pô, o negócio é como que eu vou bater minhas punhetas sem prepúcio. Vou ter de começar a, sei lá, foder fígados, que nem o Alexander Portnoy?

(risos)

(silêncio)

Você não leu Operação Shylock, né?, Peter pergunta.

Não, não li.

Porra, que bela judia de araque que você é, também. Fica lendo essa bosta desse Charles Bukowski e ignora o Philip Roth.

Eu não ignoro o Philip. E o Bukowski não é uma bosta.

Ah, Berta, pelo amor de Deus. O cara fica lá, só bebendo, bebendo, bebendo. Sei lá, eu prefiro autores que fodem o fígado de maneira mais alegórica, simbolicamente mais rica, entende?

(risos)

(silêncio)

Mas por que você me perguntou do Operação Shylock?, Berta diz.

Não, eu estava lembrando de uma parte que o falso Roth, o impostor que tá lá em Jerusalém se fazendo passar pelo verdadeiro e pregando o diasporismo, diz que os poloneses vão esperar na estação de trem os judeus que voltarem para a Europa e vão chorar de alegria e se jogar a seus pés e berrar, “Os nossos judeus voltaram! Os nossos judeus voltaram!”.

(risos)

O Philipão é craque nessas hipérboles, nesses exageros, Peter diz.

É. O cara é foda.

É mesmo, ô.

Ô...

É, ô.

(risos)

Ó, mais um “ô” idiota desses eu faço com você o que as namoradas do Bukowski não conseguiram fazer, tá entendido?, Berta diz.

O.k., o.k. Deixa eu só dar uma mijadinha antes pra, tipo assim, guardar uma recordação de como era fazer xixi sem canudo.

Vai lá.

(risos)

(silêncio)

Nossa, estou precisando cortar o cabelo, Peter diz, voltando do banheiro.

Não corta. Está bom assim.

Você acha?

Hum-hum. Está legal.

O.k. Com licença?

Toda.

(silêncio)

Tem guaraná aí ainda?, Peter pergunta.

Deve estar sem gás.

Manda.

(silêncio)

É. Totalmente sem gás.

Quer que eu pegue outro?

Não precisa. Valeu.

(silêncio)

Well... superclichê essa coisa de espelho no teto, você não acha?, Peter diz.

Você está num motel, oras. Queria o quê?

É.

(silêncio)

É, é bom trepar com você, Berta diz.

(silêncio)

Hum. Você acha legal, tipo, minha mudez concupiscente?

(risos)

É. Pelo jeito a única maneira de fazer você fechar essa matraca sua aí é chupando seu pau.

(risos)

Pode crer. Não é que eu escolha isso, eu simplesmente não consigo falar quando estou com tesão. Ouvir, também, fica meio confuso. Entender o que o outro está falando.

Hum.

Falar o que, também? “Hum, agora vou te comer assim e tal”, “Vou gozar, baby, vou gozar”...

(risos)

Ou então, “Eu te amo, meu amor, minha vida não tem o menor sentido sem você”.

Hum.

É até engraçado. Será que é culpa do Julio Iglesias, dos pagodeiros, dos sertanejos, será que é por culpa desses caras que a linguagem dita amorosa tenha se tornado... tão constrangedoramente rasteira, piegas?

Acho que não. O Elvis Presley e os Beatles já tinham feito esse trabalho direitinho.

Não fala mal dos Beatles, ô.

Falo, ô.

(risos)

Peter cantarola, de modo meio caricato: love me tender, love me, sweet, never let me go. Na boa, Berta, você consegue me imaginar dizendo, a sério, um troço ridículo desses?

Hum. Não, não consigo.

Pois é.

(silêncio)

Infelizmente não, Berta diz.

(silêncio)

Tô brincando, tá, ô?, diz Berta.

(silêncio)

Hum-hum. Eu sei, diz Peter.

(silêncio)

domingo, 23 de janeiro de 2011

Ele disse me deixa em paz. Não com palavras, mas com uns passos apressados que eu não acompanhava. Eu tenho mania de ficar apagando bitucas acesas na calçada. E de desenhar ratos toscos em folhas de caderno. E de fingir que não percebo quando o garçom e o porteiro me chamam pelo nome da garota da noite passada.
Uma certa garota continua me doendo, não encontro o que procuro e o que procuro já não pode ser ela, me mandou ir ver se ela estava na esquina e quando eu disse que sim, me mandou pentear tartaruga. Fiquei tentando um tempo mas você sabe que quando o amor se apaga é mais frio que a morte. O ruim é que as duas extremidades não se apagam ao mesmo tempo e quando você é a extremidade que continua acesa, melhor seria estar morto.

Efraim Medina Reyes. Era uma vez o amor mas tive que matá-lo.

sábado, 22 de janeiro de 2011


FADING OUT. NOW.

sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

 Eu fico gastando palavras em dias assim, de sentido abortado.

Medo - Raymond Carver 

Medo de ver a polícia estacionar à minha porta.
Medo de dormir à noite.
Medo de não dormir.
Medo de que o passado desperte.
Medo de que o presente alce voo.
Medo do telefone que toca no silêncio da noite.
Medo de tempestades elétricas.
Medo da faxineira que tem uma pinta no queixo!
Medo de cães que supostamente não mordem.
Medo da ansiedade!
Medo de ter que identificar o corpo de um amigo morto.
Medo de ficar sem dinheiro.
Medo de ter demais, mesmo que ninguém vá acreditar nisso.
Medo de perfis psicológicos.
Medo de me atrasar e medo de ser o primeiro a chegar.
Medo de ver a letra dos meus filhos em envelopes.
Medo de que eles morram antes de mim, e que eu me sinta culpado.
Medo de ter que morar com a minha mãe em sua velhice, e na minha.
Medo da confusão.
Medo de que este dia termine com uma nota infeliz.
Medo de acordar e ver que você partiu.
Medo de não amar e medo de não amar o bastante.
Medo de que o que amor se prove letal para aqueles que amo.
Medo da morte.
Medo de viver demais.
Medo da morte.


Já disse isso.

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011


Quando iniciei o blog, há um par de anos atrás, escrevi

Ninguém lê
Mais do que
Três linhas

Tô pensando seriamente em entrar com um processo para ser reconhecida como a mentora do Facebook, e outro para acusá-lo por assassinato serial de blogs.

terça-feira, 18 de janeiro de 2011


Quando você partir
Edwin Morgan

Quando você partir,
se você partir,
e eu tiver vontade de morrer,
não há nada que me salvaria
mais do que o tempo
que você adormeceu nos meus braços
com uma confiança tão suave
deixei o quarto que escurecia
beber a noite, até
que o repouso, ou a chuva
levemente despertaram você.
Perguntei se tinha ouvido a chuva no seu sonho
E meio sonhando você disse apenas, eu te amo.

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

Quatro mujeres. Un encuentro. La lluvia y una botella roja. 
Campari Cowboy tentava esconder o receio, éramos quatro e não tínhamos nada a perder. 10 latas de cerveja no boteco do coreano fizeram tudo parecer mais inofensivo. Campari Cowboy não sabia que dissimulávamos, que o oeste nos havia deixado um legado sórdido e cruel. Ele não sabia que no oeste sempre é verão. Que aprendemos a sobreviver sem gelo e canalizar todo o suor para uma única axila. Campari foi incauto ao sorrir maliciosamente e esquecer o primeiro mandamento. Chique é saber ser interrompido. Apenas nos entreolhamos e o pânico em seus olhos tinha cor de sangue. Vaqueiras. Só nós somos assim.

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

-Quando você viu o Mitchell pela última vez?
-Essa tarde, às duas horas.
-Para onde ele ia?
-Foi passear.
-Onde?
-Lugar nenhum. Soldados não vão a lugar nenhum sem serem mandados. Quando não estão de serviço, ou dão uma volta ou ficam loucos.
-O que fazia antes do exército?
-O que isso tem a ver?
-Talvez me ajude a entender suas respostas.
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-Se acham que ele matou alguém estão loucos.
-Por quê?
-Ele não é do tipo.
-Todos são do tipo.
-Ele não poderia matar alguém.
-Você poderia?
-Já matei.
-Onde?
-Onde se consegue medalhas por isso.

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

 

Faça o que tiver que fazer
Volte pra me ver quando puder
Cara, eu entendo que deve ser
Meio difícil amar uma mulher como eu
Eu não te culpo por querer ser livre
Eu só queria que você soubesse
Eu te amei mais que os seus
Desde o princípio, é culpa minha
O que acontece com meu coração
Eu sempre soube que você partiria

Então simplesmente faça o que tiver que fazer
Meu doce amor selvagem
Embora isso possa significar que eu nunca mais
Beijarei esses doces lábios
Não ligue pra isso
Encontre aquele seu sonho
Volte pra me ver quando puder

Eu sei que eles vão te deixar mal
Eles vão te deixar tão triste
Eles dizem que você não me trata como devia
Eles têm meios de fazer você se sentir um inútil
Acho que eles não têm como saber
Que meus olhos estiveram abertos desde o início
E que você nunca mentiu pra mim
A parte sua que eles nunca verão
É a parte que você mostrou pra mim

Então simplesmente faça o que tiver que fazer,
Meu doce amor selvagem
Embora isso possa significar que eu nunca mais
Beijarei esses doces lábios
Não ligue pra isso
Encontre aquele seu sonho
Volte pra me ver quando puder

Nada que tenha cromossomo Y aparece nesse filme. Nem sombra de sola de sapato italiano. E elas falam e tramam e falam e fofocam e falam e planejam e falam e sofrem e são traídas pelos maridos e pelas amigas e filosofam e no final só querem uma coisa. Ser feliz ao lado dos homens que não aparecem. Sábia decisão do diretor. Mulheres são assustadoras. Eu sempre me pego pensando nessa coisa de amor. Evolutivamente não faz o menor sentido, o gene egoísta de Dawkins não precisa disso, eu duvido que os dragões de Komodo sofressem de amor em Galápagos. Fico com a impressão de que a supressão de nossos instintos fez com que o amor tomasse espaço, forma e tempo sem se preocupar em ser recíproco, sem deixar acessível sequer um mínimo de razão. Mas cá entre nós, às favas com ela. Por mais que eu tenha usado e abusado dessa cidadã no meu passado científico, não lembro dela me deixar no rosto um sorriso tão besta quanto esse...

sábado, 8 de janeiro de 2011

E aí ele tirou o aparelho móvel da boca e o embrulhou num guardanapo. Deixou ao lado do prato como se fosse um pedaço de carne duro demais para ser engolido. Eu não conseguia tirar os olhos daquilo, eu imaginava vermes brancos se alimentando e se proliferando e era como se os vermes houvessem saído de sua boca. Eu perdi o encanto mas disse que era um problema com minha lente de contato. Entrei no táxi e indiquei o caminho mais longo.

quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

Das coisas belas que assistimos quando estamos presos em casa com tosse. Uma mistura do filme com o fazer do filme intercalados de forma brilhante. Reconstruir a realidade pela ficção é o que chega mais perto da insana (des)compreensão do mundo que tanto buscamos quando criamos. De Michel Drach. Aleatoriamente retirado da minha estante onde deixei o vidro de xarope amargo.

quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

- E é meio isso, como se a vida para mim estivesse sempre restrita, cheia de parâmetros imutáveis que bailam numa matemática própria, como dedilhar Schubert quando quem rege é Bartok. Nesse caso Bartok é a matemática, um loop infinito de Gödel que me mantém num ciclo esquisito, a mussurana engolindo a cascavel e parando para pensar, num único instante, que elas são o mesmo animal, entende?
- Não.
- Ok.

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

Meta número 1 para 2011: Postar uma foto do Woody Allen vestido de espermatozoide e gritar Agora vai, porra!
Cumprida.