sexta-feira, 28 de outubro de 2011


o coração assim, espatifado no triturador da pia. foi um vacilo meu. das inúmeras vezes que você me falou cuida do que é teu eu só ouvi uma. e eu fiquei olhando aquele peixe estrebuchar no chão enquanto ouvia roxy music, shake your hair girl with your ponytail, takes me right back, when you were young. aí me pareceu que o terceiro juiz consideraria a luta encerrada e por conta disso eu seria obrigada a prestar serviços comunitários. ele tinha de fato cara de ativista do green peace e um leve cacoete no olho esquerdo. bem, eu comecei a rir, não do cacoete, nessas horas eu até sou politicamente correta, mas é que me lembrei daquela piada que você contou inúmeras vezes. e eu ouvi todas elas. eu sabia que num certo momento você se perderia e improvisaria daquele seu jeito, mudando o nome dos personagens, o cenário do segundo ato e a umidade relativa do ar. mas você mantinha o mesmo final. sempre. esse eu nunca entendi.

(Para Paula Klaus)

quarta-feira, 26 de outubro de 2011


eu queria mesmo não te imaginar naquela sunga gasta tostando à beira de uma piscina num churrasco pré-fabricado qualquer. cercado de pessoas exageradamente vermelhas com poros dilatados que fazem piadas sobre o defunto do Kadaffi e mendigam atenção de um espantalho torto. eu queria ainda não ver você afastando a fumaça da carne de segunda pra tentar sonhar à noite com a garota de biquini amarelo que o tio do seu vizinho ganhou na porrinha. ela parece retribuir seu olhar mas instalou uma armadilha para ursos bem na metade do caminho. aquele lá no canto, com um amuleto amarrado no tornozelo, lamenta jamais ter entendido o paradoxo de braess e passou dois terços de sua vida num congestionamento. alguém corre atrás de uma boia de zebra sem válvula que rola livremente pela grama. eu invento coisas demais pra te esquecer.

segunda-feira, 24 de outubro de 2011


coisas repetitivas. uma sílaba qualquer que não se encaixa em nenhuma outra e fica ressonando bestamente na sua cabeça. bill buford, um repórter da bbs, se infiltrou entre os hooligans só pra ver qual era e acabou ficando por quatro anos. disse que a adrenalina era tanta que era impossível se livrar dela. quer saber? pra mim esse tal de bill buford definiu mesmo foi o amor. isso mesmo. as duas sílabas do amor. e se você quiser uní-las com hormônios, neurotransmissores ou aminoácidos aromáticos modificados eu não me importo. isso não vai tornar as coisas mais difíceis pra mim. mais difíceis do que já são, eu quero dizer. uma amiga escreveu assim:
"tudo o que dói transborda
o choro contido irrompe pelas mãos
descarna antigas feridas que te revelam
enquanto a face plácida oculta a aflição
tudo o que fere te faz verter
os fluidos te roubam a noite mais uma vez
e a vida se esvai pelos poros"
e eu achei a coisa mais bonita do mundo.

terça-feira, 18 de outubro de 2011


ele pendurou o gancho fixador de quadros command da 3m, ajustou a corda de nylon polimet 0045 num nó de escota duplo e posicionou abaixo do nó a banqueta para cozinha milano 176. mas havia se esquecido que o antigo proprietário rebaixara exageradamente o teto com três sacos de 40 kg de gesso mvs revest. então ligou a TV. haviam trocado a apresentadora do shoptime. essa sim, aceitaria seu convite para jantar e se deliciaria com o frango totalmente crocante assado na portátil rotisserie house e depois destroçado com a faca athus que veio de brinde. e aceitaria de bom grado o anel em ouro com diamantes que ele recém adquirira no medalhão persa.

quinta-feira, 13 de outubro de 2011


saladas prontas para consumo embaladas à vácuo em sacos plásticos. códigos de barra não cadastrados pelo funcionário hipermétrope que bate punhetas canhotas para a caixa número sete. a velhinha que furou a fila do exame médico do sesc pompeia ri do estranho tubérculo em forma de mandrágora e resolve comprar velas (e olha só, ela também fura a fila preferencial alegando uma missa urgente na igreja de são judas). e eu peço ao rapaz do atendimento ao cliente, ex-funcionário do tribunal de pequenas causas, uma nota fiscal discriminatória dos últimos meses. ele disse que eu talvez possa reclamar no procon tua propriedade (e olha que engraçado, ele parecia proudhon).


terça-feira, 11 de outubro de 2011


tô soltando o freio e engolindo frases de autoajuda. são como fibras, saca? elas se juntam num bolo amorfo que não é absorvido pelo organismo e seguem um longo e merecido destino cano adentro. e eu fico imaginando a sabesp entrando nessa onda de greve e augusto cury flutuando em pepitas de ouro logo pela manhã. e você sabe, logo pela manhã bom dia já me parece uma ofensiva frase de incentivo. e eu não sei se agora devo me encher de constrangimento ao devorar um virado à paulista porque passou a ser patrimônio histórico. por que não tombam o amor do jeito que é expresso nos filmes do kar wai? fico pensando numa pá de assuntos que me tiram o sono pra depois descobrir que exageraram um bocado na quantidade de suicidas devido ao crack da bolsa em 1929. bolsa de valores. taí uma coisa que, ao contrário do suicídio, eu nunca entendi.

sexta-feira, 7 de outubro de 2011


o homem de braços curtos pagou dez e noventa naquele fascículo em promoção. ele queria montar o navio bismarck com seu leme travado para bombordo e esperar pela royal navy. e comprou cola para madeira e tintas coloridas e uma pequena serra de mão. encheu a banheira e afogou o pato amarelo de borracha até as bolhas cessarem. a água estava um pouco quente, então ele teria tempo de procurar a velha boina puída socada - e ser então o último boy scout - em algum armário alto demais. numa garrafa pet de setecentos e cinquenta mililitros deixaria um bilhete para ela com palavras que nunca havia dito.

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

eu renovei seus cartões de zona azul. todos eles. então fica.

domingo, 2 de outubro de 2011


você concatena palavras como se fizessem sentido. não é assim, meu bem. há toda uma coisa de acepção, etimologia, origem e juntá-las assim, só porque existe concordância verbal, chega a ser ofensivo. você costumava rir da minha inabilidade em montar bonecas matrioska e na verdade eu estava pouco me lixando pra rússia, pra antiga união das repúblicas socialistas soviéticas, pra são petersburgo ou pra qualquer lugar em que as pessoas estivessem falando uma língua estranha e fazendo algo diferente de matar o tempo sem você, como eu fazia. olha, eu te amo, e tua ausência é a coisa mais presente que eu tenho. joguei todos os dicionários na lixeira de recicláveis e me diverti por alguns minutos tentando encaixar retângulos de mil páginas em cilindros vermelhos. tenho que subir meio lance de escadas até lá, você sabe, e eu contei oito degraus. lá pelo quarto achei que acreditaria em você, mas existem superstições que simplesmente não funcionam.