sexta-feira, 29 de junho de 2012


sentou-se na beira da cama
pegou um palito
foi tirando a sujeira das unhas
uma a uma
dos pés dela
gostava daquele esmalte
perolado
dizia que ela tinha pés
de ostra
pensou em patentear
um talher
uma ferramenta
para abrí-las
tirou da estante
o volume 7 da barsa
desgrudou as páginas
grifou uma frase com tinta nanquim
esperou secar
trocou a água do vaso
de flores
e a pastilha do repelente
elétrico
dobrou a colcha ainda espetada
com agulhas de crochê
ouviu o gato miar
o apito da chaleira
um logo após o outro
ou foi o apito primeiro
limpou o suor das lentes
dos óculos
arrancou uma pena do
espanador
riu porque não sentia cócegas
e porque ela também não
então fechou as cortinas
e os olhos dela

quarta-feira, 27 de junho de 2012

“o resto é estática” - Bruno Bandido

tinha esse velho deitado ao meu lado no hospital. nós dois com problema distintos nos rins – o dele era um problema de velho, o meu de um fudido azarado. a enfermeira trouxe a nossa comida. vinte anos sem comer sal, ele disse. vinte anos, eu pensei, talvez o problema não fosse de velho – mas então o olhei novamente e percebi que ele já era velho há vinte anos atrás. era o meu primeiro dia.  falei a ele que, no meu caso, era só por um tempo e ele disse ‘o meu começou assim, só por um tempo. vinte anos sem comer sal!!’. lembrei do livro da Adriana Brunstein que eu tava lendo por ali. Estado Fundamental. foi uma ótima companhia naquele hospital. um personagem do livro também não comia sal. o velho bem que podia ser um personagem do livro. um pai que se faz de vítima ou um tio moribundo com ótimas tiradas. ele me falou do filho dele, reclamou do cara. pensei de novo no Estado Fundamental. você vai saber quando tiver filhos, ele disse, é um problemão. eu já tenho um, mas ele mora longe, eu disse. porque a mentira pode ser um bocado de coisas, né Adriana? inclusive um filho meu (com uma mãe franco-belga) que corre pelado tal como um mini-selvagem nas praças de Bruxelas em julho durante o verão. tem cinco anos. até hoje só conheço o moleque por fotos.
já eu não tenho nenhuma foto do meu filho, disse o velho, mas ele vai lá em casa todo dia 6.
todo dia 6?
é que todo dia 5 eu recebo do INSS, tu sabe.
eu sabia, e enfiei a cara no livro pra seguir nele e investir na tentativa de fazer o velho parar com a conversa. eu já disse, é um puta livro. o personagem principal é um grande mentiroso. eu também sou. e sou tão miserável que também podia ser um personagem do livro. porque o romance é uma galeria de miseráveis, um desfile de  fracasso – tudo escrito com a manha de uma phd em física com muito bom gosto e talento literário.
dois dias depois, o filho do velho apareceu no hospital. eu tava nas últimas páginas do livro e tentei me concentrar pra não prestar atenção na conversa dos dois. mas quem eu tava querendo enganar? o filho sorriu o tempo todo, falou sobre o tempo e sobre uma tal de Sofia, que não quis entrar e ficou esperando lá fora. agora eu investia em Sofia. ela também tava dentro do livro, mais do que o filho – ele não me agradou, fingia quase bem que era feliz. eu preferia a imagem que tinha dele antes de vê-lo, mas talvez fosse só a imagem do personagem da Brunstein, sei lá, aquele cara ali no quarto (visitando o pai com uma cara de fiscal do IBGE) não jogava pôquer com um barman frouxo, um anão batedor de carteiras e uma mulher mosca de bar desolada  - como na cena linda (linda de gritar olé) que a Adriana escreveu com maestria e encerrou um capítulo do livro com aquele tipo de beleza tão funda que só a tristeza pode proporcionar.
no outro eu acordei e tava sozinho no quarto. a cama do lado vazia e arrumada. eu já tinha acabado o livro e vai ver era por isso. vai ver aquele velho nem existia. perguntei pra enfermeira já esperando por ela me encarar uns segundos com cara de médium perdendo a virgindade com o além e perguntar “Que velho?”. mas ela só disse que a pressão dele foi às alturas durante a madrugada e o levaram do quarto. Tu não acordou?
Não, eu disse.
Esse soro e os remédios te deixam com sono pesado.
Deve ser, eu disse. A dor eles não tiravam. Virei pro lado e voltei a dormir.

se cansou de garotinhas que falam palavrão
e fingem perversidade
que se metem a escrever diários virtuais cheios de porra
a palavra, não a coisa

terça-feira, 26 de junho de 2012


você sonha que afoga patos
de borracha
em banheiras de motéis
baratos
me dá bom dia com hálito
de látex
me faz uma hidromassagem com a língua
ainda seca
efeito da metade de um tarja
preta
me conta que teu cachorro engoliu
o cherokee do teu forte
apache
e que apontou um lápis
pra sentir o gosto
do grafite
que queria mesmo era ver a anita
ekberg
no papel de emanuelle
ou pendurando roupas no varal da tua vizinha
cega
você confessa
sussurra
teu tesão pelas poetas suicidas
e me pergunta se
entre as sylvias
eu seria plath
ou kristel
eu arrisco um verso tão tolo
quanto
não sou de missa
sou submissa
e facilito tua decisão
eu menti quando te disse que não queria aprender mais nada


casa comigo em las vegas
o sósia do elvis vai nos perguntar qualquer coisa
responda i do
então atravessamos a avenida
pra assistir o show do barry manilow
porque eu acho que ele ainda vive
(em las vegas todo mundo vive, mandy)
e você ensina joe, o garçom
a colocar mel no brandy
ele cochicha rum no ouvido do barman
charlie, se não me engano
o croupier confirma nosso straight fuck
nossa suíte é a 137
o croupier é cubano
y se llama pablo

segunda-feira, 25 de junho de 2012


não tenho grandes medos além daquele de me sentar no starbucks pra tomar um café e dar de cara com o adam sandler. mesmo que você alegue que a probabilidade disso acontecer por aqui seja ínfima. o problema, meu caro, é que têm sonhos que parecem reais pra burro, que te fazem acordar afogado numa poça de suor buscando desesperadamente um bote salva-vidas. daqueles cor de laranja gritante que seu daltonismo te impede de perceber. sem nem sombra do roy scheider pra te socorrer. trainspot yourself porque pode parecer hollywood mas é ben stiller que isso.

domingo, 24 de junho de 2012


 vida é você querer ser ferris bueller e acordar holden caulfield. todos os putos dos dias.

sexta-feira, 22 de junho de 2012


engraçado. eu sei onde você se senta para me escrever uma carta. sei onde pede aquele café ruim e espia a página de política do jornal do cara ao lado. sei onde tira seus sapatos pra pisar naquele caco de vidro que algum adolescente embriagado deixou na noite passada. sei da sua inadimplência que mantém seu nome sujo em bancos eletrônicos de consultas. sei que você coloca sua mão na janelinha do elevador pra saber se ele tá chegando. sei que não se importa com libertadores da américa nem com o pão vencido na geladeira. que me diz ao telefone, cresça, sabendo que eu não sou capaz. que segura meus braços para testar minha resistência totalmente fake. que me desafia numa partida de xadrez quando tudo que eu sei é que o cavalo se move em l. sei que tira outra pra dançar para que eu não acerte seus pés machucados. que pula as listras brancas das faixas de pedestres e que sempre abotoa a camisa da maneira errada. eu deixaria uma marca de batom no seu colarinho só pra te sacanear pelo que você ainda faz questão de esconder.


você tenta fugir do jason mas está preso na porra da fantasia do arqui-inimigo do spectreman. o zíper está irreversivelmente emperrado e o contra-regra foi fazer uma passeata solitária em frente à fábrica de laticínios de cabra. acabou saindo no tapa com o cozinheiro de peter greenway que usou um cutelo para dilacerar a faixa de interdição da vigilância sanitária. justo hoje que ao acordar você enumerou uma pá de prioridades naquela folha que sobrou da agenda do ano passado. ou do último ano bissexto. você tenta se lembrar da melhor piada do jason statham capotando um carro mas acaba levando um tiro no ombro da uzi clandestina do bruce willis. tem aquela harmônica do charles bronson tocando a oeste de algum lugar mas é impossível bater uma punheta pra claudia cardinale quando você está preso na porra da fantasia do arqui-inimigo do spectreman. aí tua carente endorfina te faz imitar o espacate do van damme e você até riria se não estivesse com uma cãibra filha da puta. é. a vida lá fora é muito besta. 

quarta-feira, 20 de junho de 2012



você até que conseguiu
com a perseverança de um t-rex
uma rima pra trabuco
num duelo de faroeste
um bom dia um tanto digno
não queimar o seu tostex
um ingresso pra uma palestra
sobre sex, sex, sex
mas foi vacilo
melar em público
uma caixa de kleenex


terça-feira, 19 de junho de 2012


Já disponível no sebo do Bac e no Estante Virtual!

sexta-feira, 15 de junho de 2012



queria se llamar
pablo conejo
e se armar
até os dentes
só pra sentir
logo pela manhã
um último
alquímico
gosto de pólvora
(ao invés disso comprou uma picareta e espalhou um bocado de sujeira)

quinta-feira, 14 de junho de 2012



grudo bolachas cream cracker com requeijão enquanto imagino a quantidade de epitáfios que o cara do jackass que morreu num acidente de carro poderia ter. sabe o que eu consegui? uma réplica perfeita de stonehenge bem em cima da pia. agora tô tentando usar o assistente pimaco pra etiquetas pra botar um preço na coisa. sim, porque a gente tem que ser ao menos profissional. vou chamar uma meia dúzia de velhinhas e incitar um irresistível leilão a base de chá de hortelã. aí a coisa vai ficar divertida. imagina só a quantidade de  arnaldos, hermelindos e osórios que serão relembrados a cada lance. uma delas vai dizer que luxúria de anjo é o nome que se dá à ereção post-mortem enquanto outra vai tentar se lembrar se mandou ou não lacrar o caixão do marido. eu vou ter quase 500 anos de vida aqui na minha cozinha pra matar de inveja qualquer raskolnikov de plantão. e o melhor que se pode tirar disso tudo é que sempre há um copo de rum pra excesso de hortelã. mojito. é um bom epitáfio.

quarta-feira, 13 de junho de 2012


raul seixas não é meu ídolo
eu não disquei m para matar
molho de chaves não combina com queijo ralado
nem abre o cadeado da casa de máquinas
torradas duras feito solas de sapato me dizem
bom dia
já são seis e ainda tá escuro
te perdi ontem
no meio da neblina
(o elevador não tá funcionando)

terça-feira, 12 de junho de 2012


"eu ia começar a ler só nas férias. mas não resisti. abri só pra dar uma espiadinha no livro que tem a capa tão bonita. e aí a literatura da Adriana Brunstein me pegou pelo pé e quando eu vi já era tarde. agora faltam poucas, pouquíssimas páginas, e eu não quero mais ler, porque se continuar a história termina e eu vou sentir saudades..."
Ivana Pansera
"Adri, terminei seu livro na insone madrugada, não podia ser de outro jeito. Ao invés de um copo, só tinha comigo um gordo peludo bufando e se perguntando por que é que eu não voltava a dormir. Não sei, acho que a tensão de saber onde Marla fora parar. Caramba! Seu universo sociopata e bucowiskiano me levou de volta a um cenário que já vivi, em livros, na vida, no amor. Em alguns momentos senti que Angeli iria adorar imortalizar seus personagens, mas claro que eles já estão imortalizados em nós, em você. Que sua melancolia, força e criatividade nos traga outros tantos. Já espero para ler o próximo. Te adoro!"
 Alessandra Fragata Helena
"Adriana, tudo bem? primeiro preciso te falar que seu livro matou toda e qualquer expectativa que eu tinha criado! é muito foda! a ansiedade era realmente cabível."
Juliana Gola
"Ei, teu livro é demais!"
Edson Valente 
"Puta livro! Muito massa, Adriana. Muito mesmo! Parabéns outra vez."
Renato Guerra
"terminei de ler, Adriana Brunstein. putz, muito bom!! não esperava menos de vc. "Sócrates tomou a terceira dose de cicuta". E eu quase me suicidei deslocando a mandíbula de tanto rir. Gênia. Parabéns!"
Kiki Lee

segunda-feira, 11 de junho de 2012


ela não visita bebês recém-nascidos
nem ele
ele tem vontade de tragar a fumaça dos charutos
que os pais dos bebês recém-nascidos oferecem
ela acha isso indelicado
e estoca flyers de maternidades
no fundo do pote de arroz


quinta-feira, 7 de junho de 2012


eu não preciso das palavras do dalai lama que você recita com essa cara de buda encarnado. inclusive quero deixar claro que você raspar o cabelo foi uma péssima ideia. eu não acredito nessa paz forçada nem em buquê de flores. em noventa por cento dos filmes da tela quente alguém engole uma aliança numa taça de champagne e nos outros dez cinquenta carros capotam em nova york. nesses dez está a pequena broadway de sonhos que a gente ergueu quando devia só seguir as estatísticas. mas nunca fomos muito bons com números. esbanjamos tempo demais tentando consertar nossas merdas como se fôssemos protagonistas das quatrocentas e quarenta e quatro páginas de um livro de ian mcewan. passamos a pedir desculpas antes mesmo de termos culpa. deixamos nossos ipods no modo shuffle só para termos um fator surpresa. e entre johnny cash e cartola perguntamos um ao outro, você disse alguma coisa? hoje eu te respondi, sim, eu preciso daquele par de galochas porque meu cigarro acabou.

quarta-feira, 6 de junho de 2012



Vídeo pra lá de bacana que o Grima Grimaldi fez no lançamento do meu livro. Dia 05 de Junho no Estação Caneca, espaço do Cemitério de Automóveis. Com participações mais que especiais de Luana Vignon, Paula Klaus, Paulo de Tharso, Ademir Assunção, Walter Figueiredo, Mário Bortolotto, Wanessa Rudmer e Katiana Rangel.

terça-feira, 5 de junho de 2012


LANÇAMENTO DO LIVRO DA DRI 

Tô lendo o livro da Dri (Adriana Brunstein). Minha vida tá corrida pra caralho. Então leio nos bastidores da peça "Música para ninar dinossauros". Fico lá perto do banheiro, lendo o livro de pé. É muito foda. A Dri escreve na primeira pessoa (no masculino) que é um negócio complicado quando vc conhece o autor. Isto é, eu vejo a Dri narrando, mas tenho que imaginá-la como um homem, no caso o personagem masculino que ela criou pra narrar a história, e não é a coisa mais fácil do mundo se concentrar num camarim de teatro, por isso tenho que reler várias passagens, o que torna a leitura ainda mais instigante, porque o livro da Dri tem aquele tipo de literatura que nos cobra uma releitura e aí vamos percebendo detalhes que passaram despercebidos na primeira abordagem. É do mesmo jeito que acontece quando vc conhece uma mulher bonita e a acha simplesmente e realmente bonita, mas aos poucos quando vc começa a prestar mais atenção ou quando vc começa a ouvir ela falar, vc então percebe que a filha da puta não é só bonita. Ela é bem mais do que isso. É o que acontece com o livro da Dri. Vc começa a ler e percebe que é bom pra caralho, mas depois de um tempo, vc percebe que é bem mais do que isso. Hoje ela lança o livro lá no Teatro Estação Caneca (Rua Frei Caneca, 384) a partir das 19h30. Às 22h, nós da banda "Saco de Ratos" faremos um show (di graça) pra comemorar o lançamento do livro da Dri. Esperamos os amigos por lá. Rock and roll, whisky, literatura e bons amigos. Quem disse que a vida precisa ser mais do que isso? Na verdade eu até queria algo a mais, mas tá valendo.

Mário Bortolotto

segunda-feira, 4 de junho de 2012

Estado Fundamental & Saco de Ratos
05 de Junho a partir das 20:00
Estação Caneca: Rua Frei Caneca, 384