TODA MUDEZ SERÁ CASTIGADA, um conto de Eduardo Haak
Berta Brunstein pergunta: Peter, você gosta de trepar comigo?
Peter Mandrake responde que sim, que gosta.
Hum, Berta murmura.
Que foi, ô?
Nada. E para com essa mania de falar ô, ô, ô.
Peter ri e pergunta: por quê?
Por nada. Porque eu tô pegando esse cacoete seu, só por isso.
Entendi. Tipo assim, quando você vai gozar, você não consegue mais emitir a vogal ó aberta, ó, ó, sai ô, ô.
(risos)
(silêncio)
Por que você me perguntou isso?, Peter Mandrake diz.
Se você gosta de trepar comigo?
Hum-hum.
Sei lá. Só pra saber.
Tá.
(silêncio)
Vai, odalisca, Peter diz.
O quê?
Vai, pergunta o que você no fundo tá a fim de perguntar.
Berta ri e diz: Peter Mandrake, o indutivo.
É. Já fui chamado desse troço.
(silêncio)
Por uma daquelas odaliscas lá do seu Orkut?
Chi, você e essa cisma sua...
Cisma nada.
(silêncio)
E aí?, Peter diz.
E aí o quê?
Não vai me perguntar?
Hum. Não, não vou.
O.k.
Acho que eu não tenho nada para perguntar pra você.
(silêncio)
Berta?
Hum.
Tá tudo bem?
Sim. Tudo bem.
Hum.
(silêncio)
Relaxa, ô. Eu não vou cortar teu pau fora enquanto você estiver dormindo.
(risos)
Folgo em saber, senhorita.
Folga. Vai folgando, vai...
(risos)
Hum. Sabia que o Charles Bukowski se acostumou a dormir de bruços justamente por causa disso?, Peter diz.
Medo de ser capado?
Hum-hum. Ele andava com umas senhoritas barra-pesada, tudo tarja preta. Uma mais pirada que a outra.
(silêncio)
Que horas são?, Berta pergunta.
Três e vinte. Daqui a pouco a gente vai.
O.k.
(silêncio)
Você leu a Vejinha dessa semana?, Peter diz.
Não. Por quê?
Tem uma reportagem lá sobre o Bom Retiro. Eu não sabia que as judias ortodoxas usam peruca.
Usam.
Por que, hem?
Porque o cabelo é para ser mostrado só para o marido. Eles consideram o cabelo um instrumento de sedução.
Ué? E a peruca? E se for, sei lá, uma peruca estilo Jessica Rabbit? Não seria algo altamente sedutor?
Mas peruca é algo extrínseco. Entende a diferença sutil? Intrínseco. Extrínseco. Dentro. Fora. In. Out.
(silêncio)
Sei lá. Eu acho que essa coisa de peruca só funcionaria se a peruca fosse medonha. Tipo imitação do cabelo do Reginaldo Rossi, Peter diz.
(risos)
Ah, então quer dizer que você não me comeria se eu estivesse usando uma peruca estilo Reginaldo Rossi?
É claro que não. Você sairia comigo se eu fosse parecido com o Reginaldo Rossi?
Mas ser parecido seria algo intrínseco, Peter. É diferente.
Certo, e uma peruca seria algo, algo meramente extrínseco, não substancial.
Exato.
Viu só?
Oh yeah. Você está ficando bom em ironia judaica. Logo, logo a gente já pode marcar a circuncisão.
(risos)
Sai fora, ô.
Tá com medo, Peter?
Medo? Sei lá. Não, não exatamente.
Então relaxa. Não dói tanto assim. Bom, eu suponho que não doa.
(risos)
Pô, o negócio é como que eu vou bater minhas punhetas sem prepúcio. Vou ter de começar a, sei lá, foder fígados, que nem o Alexander Portnoy?
(risos)
(silêncio)
Você não leu Operação Shylock, né?, Peter pergunta.
Não, não li.
Porra, que bela judia de araque que você é, também. Fica lendo essa bosta desse Charles Bukowski e ignora o Philip Roth.
Eu não ignoro o Philip. E o Bukowski não é uma bosta.
Ah, Berta, pelo amor de Deus. O cara fica lá, só bebendo, bebendo, bebendo. Sei lá, eu prefiro autores que fodem o fígado de maneira mais alegórica, simbolicamente mais rica, entende?
(risos)
(silêncio)
Mas por que você me perguntou do Operação Shylock?, Berta diz.
Não, eu estava lembrando de uma parte que o falso Roth, o impostor que tá lá em Jerusalém se fazendo passar pelo verdadeiro e pregando o diasporismo, diz que os poloneses vão esperar na estação de trem os judeus que voltarem para a Europa e vão chorar de alegria e se jogar a seus pés e berrar, “Os nossos judeus voltaram! Os nossos judeus voltaram!”.
(risos)
O Philipão é craque nessas hipérboles, nesses exageros, Peter diz.
É. O cara é foda.
É mesmo, ô.
Ô...
É, ô.
(risos)
Ó, mais um “ô” idiota desses eu faço com você o que as namoradas do Bukowski não conseguiram fazer, tá entendido?, Berta diz.
O.k., o.k. Deixa eu só dar uma mijadinha antes pra, tipo assim, guardar uma recordação de como era fazer xixi sem canudo.
Vai lá.
(risos)
(silêncio)
Nossa, estou precisando cortar o cabelo, Peter diz, voltando do banheiro.
Não corta. Está bom assim.
Você acha?
Hum-hum. Está legal.
O.k. Com licença?
Toda.
(silêncio)
Tem guaraná aí ainda?, Peter pergunta.
Deve estar sem gás.
Manda.
(silêncio)
É. Totalmente sem gás.
Quer que eu pegue outro?
Não precisa. Valeu.
(silêncio)
Well... superclichê essa coisa de espelho no teto, você não acha?, Peter diz.
Você está num motel, oras. Queria o quê?
É.
(silêncio)
É, é bom trepar com você, Berta diz.
(silêncio)
Hum. Você acha legal, tipo, minha mudez concupiscente?
(risos)
É. Pelo jeito a única maneira de fazer você fechar essa matraca sua aí é chupando seu pau.
(risos)
Pode crer. Não é que eu escolha isso, eu simplesmente não consigo falar quando estou com tesão. Ouvir, também, fica meio confuso. Entender o que o outro está falando.
Hum.
Falar o que, também? “Hum, agora vou te comer assim e tal”, “Vou gozar, baby, vou gozar”...
(risos)
Ou então, “Eu te amo, meu amor, minha vida não tem o menor sentido sem você”.
Hum.
É até engraçado. Será que é culpa do Julio Iglesias, dos pagodeiros, dos sertanejos, será que é por culpa desses caras que a linguagem dita amorosa tenha se tornado... tão constrangedoramente rasteira, piegas?
Acho que não. O Elvis Presley e os Beatles já tinham feito esse trabalho direitinho.
Não fala mal dos Beatles, ô.
Falo, ô.
(risos)
Peter cantarola, de modo meio caricato: love me tender, love me, sweet, never let me go. Na boa, Berta, você consegue me imaginar dizendo, a sério, um troço ridículo desses?
Hum. Não, não consigo.
Pois é.
(silêncio)
Infelizmente não, Berta diz.
(silêncio)
Tô brincando, tá, ô?, diz Berta.
(silêncio)
Hum-hum. Eu sei, diz Peter.
(silêncio)
2 comentários:
Não se pode querer tudo. Certas vezes, uma boa trepada vale muito mais que mil palavras.
Um beijo, Adriana.
Ah, Lalo, na ficção tudo fica bem mais fácil, né? Ainda mais com o Rubem Fonseca de inspiração!
Um beijo grande!
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